O agravamento da crise econômica a partir de 2015 e o avanço da Operação Lava Jato foram um balde de água fria na carreira de engenharia. Cinco anos antes, o país falava em déficit e até em apagão de engenheiros. Muitos estudantes apostaram seu futuro profissional na área porque havia oportunidades de sobra para os recém-formados – tinha empresa recrutando profissionais na sala de aula –, e os mais experientes eram disputados com altos salários, o cenário dos sonhos para qualquer profissional. Mas o mercado de trabalho virou do avesso com a crise e as oportunidades praticamente desaparecerem.

Área que mais forma engenheiros no país, a Engenharia Civil é, de longe, a modalidade das engenharias que mais contratou e demitiu profissionais desde 2010. De 2014, o saldo ficou negativo

Embora o desemprego tenha atingido todas as categorias profissionais, para os engenheiros ficou a frustração, traduzida nos números do Cadastro Geral de Empegados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego.

Até 2013, o saldo entre os engenheiros com carteira assinada admitidos e desligados era positivo. A partir de 2014, ano dos primeiros sinais da crise econômica, o número de profissionais demitidos superou o de contratados, com 42 mil engenheiros na fila do desemprego na soma de 2015, 2016 e acumulado de 2017 até agosto.

Em apenas quatros dos 27 estados brasileiros o número de engenheiros contratados foi maior do que o de demitidos neste ano e, mesmo assim, com um saldo pequeno: Mato Grosso, Acre, Tocantins e Amapá. No Paraná, entre admitidos e desligados, 120 profissionais perderam o emprego este ano – em 2015 e 2016, foram 1.377.

Os dados do Caged são compatíveis com a queda no número de ARTs (Anotação de Responsabilidade Técnica), explica Leandro Grassmann, diretor financeiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (Crea-PR). Em toda obra ou serviço que exige acompanhamento de um engenheiro, o profissional é obrigado a recolher uma ART, ou seja, um volume maior de ARTs denota um mercado de trabalho mais aquecido.

“Temos vários termômetros que sinalizam que o mercado retraiu, mas o principal deles foi a queda das ARTs a partir de 2014, quando tivemos um pico de 398 mil ARTs emitidas em todo o Paraná, cerca de 190 mil só na modalidade de Engenharia Civil. Depois disso, só caiu”.

Das 64 modalidades da engenharia listadas pelo Caged, apenas 13 estão com saldo de contratações e demissões timidamente positivo em 2017, entre elas, Engenharia de Tempos e Movimentos, Engenharia Civil na área de Saneamento, Engenharia de Sistemas Operacionais de Computação, Engenharia de Pesca, Engenharia Ambiental e Engenharia de Alimentos.

Esses setores, contudo, não são os que mais demandam engenheiros. As 10 áreas que mais contrataram neste ano são também as que mais demitiram. A Engenharia Civil sem especializações é, de longe, a modalidade das engenharias campeã neste movimento em 2017, acumulando, até agosto, um saldo negativo de 2,3 mil profissionais – em 2015, foram 7,2 mil demitidos e, em 2016, 6,2 mil engenheiros civis perderam o emprego no país.

Além de ser a área que mais forma engenheiros no país, seguida de Agronomia e Elétrica, a Engenharia Civil é também a que mais emprega no Brasil, pois é muito demandada para projetos domésticos – como reformas, construções e regularizações – que também reduziram drasticamente com a crise, acompanhando a desaceleração da construção civil.

Diante das dificuldades das empresas para manter seus projetos, muitos profissionais acabaram demitidos e o número de recém-formados que deixou a faculdade sem conseguir um emprego na área também cresceu. Teve muito diploma de engenharia voltando para a gaveta.

A expectativa virou frustração

Em cinco anos, a expectativa virou frustração para a engenheira civil Lidianara Rosa.  Quando entrou na faculdade, em 2010, as perspectivas eram as melhores possíveis, mas quando saiu o cenário era outro.

Quando a crise começou, em 2014, ela cursava o último ano do curso na PUCPR. Com a rotina puxada do fim da graduação, teve de deixar o estágio em uma construtora de Curitiba na qual tinha promessa de contratação. Depois, já formada, chegou a fazer entrevistas em outras empresas da capital, mas não foi chamada e começou a fazer trabalhos por conta.

Em meados de 2015, abriu uma empresa de serviços de engenharia para poder emitir nota fiscal. A renda, conta ela, não passava de R$ 2 mil, muito abaixo do piso de engenheiro, que é de R$ 8,4 mil para 8 horas de trabalho. “Nesse período, meu pai continuou me ajudando financeiramente com as contas básicas”.

A situação, que já estava difícil, ficou ainda pior em 2016. A demanda caiu muito e, no começo deste ano, ela precisou retornar a Jaguariaíva, no interior do estado, para ajudar a tocar a sorveteria da família depois que o pai ficou doente. A engenharia, por enquanto, está em stand by, com um projeto aqui e outro ali. Embora tenham aparecido alguns trabalhos em Curitiba, o plano é transferir a empresa da capital para o interior, onde ela acredita que há mais potencial. Mas “certo mesmo, neste momento, só a sorveteria da família”, diz Lidianara.

Problema temporário, efeitos permanentes

A retomada da economia, quando vier de forma consistente, deve reaquecer o mercado de engenharia, trazer de volta os investimentos em infraestrutura e, consequentemente, aumentar a demanda por engenheiros de várias modalidades, especialmente de Civil, acredita o setor. Contudo, alguns efeitos negativos da crise vão permanecer no mercado de trabalho de engenharia, tanto para empresas quanto para profissionais.

Do lado das empresas, é provável que alguns setores da economia, especialmente os mais tecnológicos, tenham dificuldades para recontratar bons profissionais, avalia Grassmann. Ele cita como exemplo a área de engenharia consultiva para grandes obras (barragens, represas, hidrelétricas, eólicas, pontes e viadutos), que sofreu muito com a crise e manteve apenas alguns poucos profissionais subutilizados, ma com alto nível de conhecimento.

“É muito comum que esses profissionais migrem para o mercado financeiro, pela capacidade de análise e raciocínio. Os engenheiros muito especializados foram para o exterior e só tendem a retornar mediante boas propostas”, diz ele.

O primeiro gap, portanto, é mobilizar novamente a força de trabalho, e isso pode custar caro para as empresas, considerando que muitas já haviam investido alto na qualificação desses engenheiros.

Para os profissionais menos experientes e qualificados, além da dificuldade para voltar ao mercado, há uma tendência de redução dos salários, “uma questão de oferta e demanda, lei básica do mercado”, segundo Grassmann. Em 2012, um dos anos de alta da profissão, os salários dos recém-formados ficavam entre R$ 5 mil e R$ 8 mil. Agora, devem ficar bem abaixo disso.

Outro aspecto é que a retomada pós-crise nem sempre ocorre nos setores que estavam aquecidos antes da desaceleração. Em tese, portanto, o profissional mais generalista terá um leque mais aberto de oportunidades que podem ser convertidas em um emprego, lembra Grassmann.

Modalidades da engenharia que mais demitiram e contratam desde 2010:

Do céu ao inferno

Extremamente demandados pelo mercado antes da crise, os profissionais de engenharia tiveram de lidar com a redução de oportunidades em praticamente todas as áreas.

Em 10 anos

Em 2017

Até agosto

Top 10

Admissões, demissões e saldo em 2017, até agosto

Os mais contratados
Engenheiro Civil 4.975
Engenheiro Eletricista 1.308
Engenheiro de Produção 1.586
Engenheiro Mecânico 1.163
Engenheiro de Segurança do Trabalho 1.304
Engenheiro Agrônomo 1.378
Engenheiro de Controle de Qualidade 691
Engenheiro Civil (Edificações) 560
Engenheiro de Aplicativos em Computação 477
Engenheiro Mecânico Industrial 316
Os mais demitidos
Engenheiro Civil -7.335
Engenheiro Eletricista -1.784
Engenheiro de Produção -1.719
Engenheiro Mecânico -1.551
Engenheiro de Segurança do Trabalho -1.507
Engenheiro Agrônomo -1.502
Engenheiro de Controle de Qualidade -1.018
Engenheiro Civil (Edificações) -895
Engenheiro de Aplicativos em Computação -519
Engenheiro Mecânico Industrial -510
Áreas em que o saldo é timidamente positivo
Engenheiro de Tempos e Movimentos 53
Engenheiro Civil (Saneamento) 52
Engenheiros de Sistemas Operacionais em Computação 25
Engenheiro Florestal 13
Engenheiro de Pesca 13
Engenheiro de Alimentos 7
Engenheiro Mecânico (Energia Nuclear) 6
Engenheiro de Minas (Planejamento) 5
Engenheiro Químico (Mineracão, Metalurgia, Siderurgia, Cimenteira e Cerâmica) 4
Engenheiro Civil (Pontes e Viadutos) 2

Todos os dados

Admissões, demissões e saldo em 2017, até agosto

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