Os esquemas de corrupção envolvendo empreiteiras e desvendados pela operação Lava Jato deixam claro a urgência de transformar as práticas internas das empresas do setor. Soma-se a isso o desabamento de trecho da ciclovia Tim Maia, na semana passada, no Rio de Janeiro, que mostrou ser imprescindível transformar o modus operandi não apenas para combater a corrupção, mas também para reduzir riscos. Em artigo exclusivo para o blog Cidades sem Fronteiras, o advogado Fábio Medina Osório explica como é possível fazer essa transformação de dentro para fora e de maneira a impactar positivamente toda a sociedade. Leia a seguir:

Programas de compliance empresarial correspondem à instrumentalização das diretrizes éticas internas da empresa e por ela exteriorizadas, em regras que, necessariamente, refletem a produção técnico-normativa externa, de acordo com a natureza e a atividade da organização. Essa tomada de posição pró-ética visa à proteção da perenidade da empresa, através do mapeamento e atenuação de riscos potenciais e consolidados de imposição de penalidades; bem como à disseminação desses valores na sociedade, a fim de promover a cultura de integridade e transparência no mercado, servindo, em última análise, enquanto mecanismo de regulação social pelas empresas adotantes.

Internamente, a validação do programa de integridade deve considerar a capacidade da sua estrutura de ação de prevenir e mitigar riscos inerentes à sua natureza e aqueles que, em virtude de especificidades da sua atuação, são/estão presentes na sua atividade ou na forma como ela é desenvolvida. Externamente, o enfoque social do programa é voltado à irradiação dessa matriz comportamental íntegra na sociedade, a fim de, mais do que conformar a sua conduta, promover a construção de um meio ambiente (social) adequado às normas ético-jurídicas vigentes. Figurativamente, pode-se dizer que a empresa deve educar o mercado para construir um ambiente mais solidário, justo e atento às preocupações sociais hodiernas.

No setor da construção civil, a imprescindibilidade de adoção de programas de compliance aptos à gestão e ao gerenciamento dos riscos relativos à prestação dos seus serviços deve-se, principalmente – não únicos – a dois fatores, um de natureza sócio-jurídica e outro predominantemente social: a complexidade e intensa produção normativa da área; a infeliz tendência às práticas antiéticas que hoje parecem estar enraizadas no ramo, especialmente quando se trata da execução de um contrato administrativo.

A intensa produção normativa desse segmento de mercado por si só, motivo relevante para que haja uma organização empresarial capaz de formar uma régua de competência de avaliação e controle de adequação das suas atividades às leis, resoluções, instruções normativas, portarias e quaisquer normas a que possa estar sujeita.

O programa, então, através da implantação de mecanismos de organização da análise e validação da regulação existente, atua na prevenção dos riscos de responsabilização da empresa por condutas ilícitas, preservando a sua longevidade e minimizando e até remindo penalidades e danos reputacionais.

De outra banda, a corrupção parece ser o âmago operacional das contratações que envolvem construção civil, especialmente nas públicas. Os recentes escândalos envolvendo diversas construtoras de grande porte, que resultaram na condenação de diversas pessoas físicas, são um exemplo dessa cultura de valores corrompidos.

Atualmente, não só, muitas vezes, há corruptela na forma de contratação, como também na gestão das contratações administrativas, traduzindo-se na dificuldade/inércia na fiscalização pela Administração Pública da legalidade, validade e eficiência dos elementos informadores do contrato.

Efeito da improbidade crônica na interação público x privado desse setor é a má prestação de serviços, cuja gravidade supera a sua natureza infra-estrutural, dado que expõe a segurança das pessoas ao perigo da sua ineficiência, podendo gerar consequências nefastas.

A responsabilidade social dos programas de compliance, notadamente, no mercado da construção civil, é a qualificação da imposição de uma validação dupla dos contratos administrativos, impondo um dever de cuidado e diligência interno da empresa, complementar ao dever da Administração Pública, inclusive com a previsão de ferramentas de denúncia de más práticas corporativas internas à empresa e o self disclosure (autodelação) dessas condutas. A adoção de mecanismos de controle interno facilita a fiscalização e verificação da conformidade da atuação da empresa pela empresa e sedimenta, como regra, o padrão de integridade na sua atuação, através da imposição de regras éticas e sanções pela sua violação.

A promoção da ética de forma coesa no mercado não só mitiga danos econômicos e reputacionais decorrentes da infringência das regras existentes, mas também aumenta a confiabilidade na contratação e gestão das obras públicas.

Portanto, a polivalência dos programas de compliance é vislumbrada em diferentes aspectos, os quais, unidos, promovem o desenvolvimento sustentável da empresa e do país, em especial: ético, através da promulgação e disseminação de ideais de integridade e transparência; social, enquanto mecanismo ímpar de proteção da sociedade e do meio ambiente natural e mercadológico contra a prestação de serviços ineficientes e ilícitos; e econômico, através da preservação da perenidade da empresa.

Corolário lógico do que exposto é que um programa de probidade empresarial efetivo, com controles internos eficientes – de obediência às regras intra e extra institucionais – irradiará seus efeitos para além da sua personalidade jurídica e de fato, alcançando a sua cadeia de fornecimento, seus clientes, a sociedade e o mercado, correspondendo, em última análise, a um mecanismo importante de prevenção de tragédias em obras públicas.

* Fábio Medina Osório, advogado, doutor em direito administrativo pela Universidade Complutense de Madri. Foi membro do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Ex Diretor da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente – ABRAMPA. Presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado – IIEDE.

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