Apesar da economia em recessão e da profunda crise política, o Brasil continua a receber bilhões em investimentos estrangeiros, com destaque, nos últimos tempos, para o capital chinês. Na quarta-feira 25, a China Three Gorges arrematou por 13,8 bilhões de reais as concessões das usinas hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira, em São Paulo, equivalentes a 81% dos 17 bilhões arrecadados no leilão. Na véspera, a Azul Linhas Aéreas anunciara a venda de 23,7% das ações preferenciais ao Grupo HNA, por 1,7 bilhão de reais. Os dois negócios são uma parte do aporte de 53 bilhões de dólares, concentrado em infraestrutura, prometidos em maio pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, durante uma visita ao País. 

Os investimentos realizados e contratados de 2005 a 2016 somam 34,3 bilhões de dólares, segundo o China Global Investment Tracker. Os setores de transportes, equipamentos, energia, mineração, eletroeletrônico e de telecomunicações reúnem o maior número de projetos, aponta o Conselho Empresarial Brasil-China.   

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O avanço chinês na reconfiguração econômica abre portas para investimentos estratégicos com o Brasil

O avanço chinês ganhou velocidade neste ano por causa da queda dos preços dos ativos provocada pela desvalorização do real e pela recessão. A aceleração contou ainda com o efeito da interdição das obras públicas de infraestrutura às empresas nacionais acusadas pela Operação Lava Jato. “O Brasil ficou barato, o preço de vários projetos está mais atraente e os chineses aproveitam isso. Um segundo fator é que sempre quiseram participar do setor de construção, ocupado por empresas muito importantes. Agora, abriu-se um espaço”, diz Sérgio Amaral, presidente da SSA Consultoria Internacional e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A ocupação do espaço começou, mostram a encomenda, pela Petrobras, da construção das plataformas P-75 e P-77, antes atribuída ao consórcio Queiroz Galvão, Iesa e Tecna, ao estaleiro chinês Cosco, e a entrega da produção de navios, anteriormente nas mãos da Iesa, ao mesmo Cosco e à tailandesa BJCHI. 

Oportunidades imediatas à parte, o governo chinês comanda uma expansão externa vinculada à reconfiguração da economia, com maior ênfase no mercado interno e ampliação da influência política no mundo. A estratégia inclui a internacionalização de empresas como a China Three Gorges e a HNA. A primeira, dona da usina de Três Gargantas, no Rio Yang-tsé, a maior do mundo em energia gerada, tem 100 mil megawatts de capacidade instalada no planeta e agora é a segunda maior geradora elétrica privada no Brasil, com 6 mil megawatts, atrás da Tractebel e seus 7,5 mil megawatts. As últimas aquisições somam-se àquelas de duas empresas do Grupo Triunfo, neste ano, por 1,9 bilhão de reais, e às participações de 50% nas hidrelétricas de Jari e Cachoeira Caldeirão e 33% em São Manuel. Os investimentos da CTG incluem também a aquisição de 11 parques eólicos em parceria com a EDP Renováveis. 

O HNA é outro exemplo da expansão das firmas chinesas. “O grupo tem participação no capital votante de várias companhias aéreas, nacionais e estrangeiras, controla a Swissport, líder mundial em serviços auxiliares para aviação, e a sua principal empresa, a Hainan Airlines, é a quarta do país”, destaca Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China e ex-embaixador.

O China Global Investment Tracker identificou 1,6 mil grandes investimentos do país asiático no mundo desde 2005, no total de 1,1 trilhão de dólares. Grande receptora de recursos externos, a China caminha para se tornar exportadora líquida de capital, segundo previsões de vários economistas, com cerca de 130 bilhões de dólares anuais de inversões em outros países, acima dos 120 bilhões externos de ingressos estimados para este ano. Uma parte significativa segue para países emergentes e visa completar suas próprias cadeias produtivas. “O salário médio aumentou muito e o país adotou o sistema China Plus One. Em um exemplo, indústrias de confecções cortam os modelos das calças, enviam para costurar no Vietnã e as trazem de volta. Põe mais um país no circuito para reduzir gastos com mão de obra”, explica Marcos Antonio Macedo Cintra, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).  

InfográficoA desvalorização do real e a crise econômica tornam mais atraentes os negócios no País (MiniMorgan)

O movimento de internacionalização das empresas articula-se ao investimento em infraestrutura, sobretudo no entorno asiático e nos países em desenvolvimento de outras regiões. Segundo Cintra, “é uma espécie de ‘diplomacia da infraestrutura’, que envolve outras nações nos projetos deles e ao mesmo tempo utiliza a capacidade ociosa interna da siderurgia e das indústrias de equipamentos e máquinas necessários às obras no exterior”. Amaral identifica uma “geopolítica da infraestrutura” e cita o caso do projeto do cinturão econômico da Rota da Seda, de infraestrutura de grande escala para ligação com o restante da Ásia e da Europa.

O governo chinês prevê investimentos externos de 1,25 trilhão de dólares em infraestrutura nos próximos dez anos. Um só projeto, o da construção por uma empreiteira de Hong Kong e estatais chinesas do Canal Interoceânico da Nicarágua, maior que o Canal do Panamá,
custará 50 bilhões de dólares. No começo do ano, foi assinado com a Argentina um pacote de 18 bilhões de dólares em obras de infraestrutura e outros setores. 

A onda de investimentos encontra muitos países receptores em situação frágil e sem tradição de exigir contrapartidas indispensáveis para evitar efeitos predatórios. “A estratégia sempre foi atrair capital estrangeiro para investir aqui, mas eles precisam trazer também seus fornecedores para a produção doméstica de uma parte de suas encomendas. Se continuarmos a só importar máquinas, equipamentos, metrôs, trens, vai dar problema no balanço de pagamentos. Temos de internalizar uma parte da estrutura produtiva da China”, diz Cintra. Permanecer na complementaridade comercial, com 75% a 80% das exportações para a China compostos de commodities e 95% das importações formados por produtos industrializados, “não ajudará o Brasil a sair do buraco”. 

“A parceria com a China poderia contribuir para a participação do País nas cadeias globais de valor sob novas bases, com crescente conteúdo tecnológico e industrial”, propõe a economista Tatiana Rosito, ex-conselheira econômico-comercial na embaixada do Brasil em Pequim.  No livro China em Transformação: Dimensões econômicas e geopolíticas do desenvolvimento, publicado pelo Ipea, sugere-se a busca de um acordo bilateral de investimentos nos moldes daquele assinado pela China com a Austrália e em estudos com os Estados Unidos.

Enquanto o Brasil não define estratégias em seu benefício, a China aprende com a experiência e aprimora a defesa da sua economia. “O fato de o governo chinês ter seguido o seu próprio caminho na reforma das suas instituições financeiras mostrou-se de vital importância para a estabilização da economia global durante a crise. O Ocidente tem motivos para ser grato ao julgamento acertado dos formuladores de política chineses diante da intensa pressão internacional para liberalizar e abrir o seu sistema financeiro, incluída a privatização dos principais bancos, o que permitiria às instituições globais reinar livremente na China, e deixar o renminbi flutuar livremente”, avalia o economista Peter Nolan, da Universidade de Cambridge, consultor do governo chinês. 

Com um sistema financeiro fechado, a aceitação do renminbi na cesta de moedas do FMI tem importância principalmente simbólica e comercial, mas pouco efeito para a penetração da moeda nacional no sistema financeiro mundial, “um trabalho de longo prazo”, avalia Cintra.

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