São Paulo — Os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do grupo de investimento J&F, que controla a empresa de alimentos JBS, parecem viver em outro Brasil. Enquanto a imensa maioria das empresas nacionais pisa no freio, luta para pagar dívidas e, quando o caso é dramático, coloca pedaços à venda, os Batista fazem movimento contrário.

A mais recente mostra foi dada no dia 23 de novembro, quando eles anunciaram a compra da Alpargatas, fabricante das sandálias Havaianas, por 2,7 bilhões de reais. Desde 2011, a J&F investiu 10 bilhões de dólares em aquisições. Comprou operações da americana Tyson Foods no Brasil e no México, arrematou a brasileira Seara, construiu a maior fábrica de papel e celulose do planeta.

No caminho, triplicou de tamanho e deverá faturar 171 bilhões de reais neste ano — 50 bilhões mais do que em 2014. Hoje, a J&F só perde para Itaú e Bradesco entre os maiores grupos do país. Com a Alpargatas, estreará num mercado totalmente novo, o de moda. A compra da Alpargatas foi uma demonstração típica do estilo dos irmãos Batista.

Em menos de duas semanas, a J&F passou à frente de fundos de investimento que negociavam com o grupo Camargo Corrêa, que controlava a Alpargatas e havia decidido vender suas ações para aliviar um pouco sua situação financeira. A oferta estava em linha com a melhor proposta obtida pela família Camargo, mas tinha um diferencial imbatível: o pagamento integral à vista.

Isso só foi possível graças ao desempenho do grupo JBS neste ano e a um robusto caixa. Em 2015, a JBS aumentou 35% a receita. Mas o fator primordial para esse desempenho todo — e para fazer a aquisição dessa maneira — foi mesmo o dólar. A J&F consegue se descolar da economia brasileira porque, na prática, deixou de ser um conglomerado “nacional”. Mais de 80% de sua receita é em dólar.

Some-se a isso o fato de a JBS tem acertado a mão na mesa de operações financeiras — ganhou 9 bilhões de reais apostando na alta do dólar — e chega-se a um momento de ouro para o conglomerado. Joesley Batista dizia, no início do ano, que a hora de ir às compras seria em 2016, quando a crise levaria os preços para o chão.

Mas a crise foi mais rápida para os outros, e 2015 foi melhor do que ele poderia esperar para a JBS. A hora de comprar, portanto, chegou. A lógica por trás da aquisição da Alpargatas é semelhante à que rege um fundo de private equity. A nova empresa não tem relação com os outros negócios do grupo nem com seu histórico de investimento, mas parecia uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada.

Até agora os negócios da J&F sempre tiveram uma relação entre si. A JBS exporta carne e couro, vende colágeno para a indústria de cosméticos, faz produtos de limpeza tendo como base o sebo, ração animal com penas e vísceras, criou um banco para financiar produtores rurais e até a entrada no negócio de papel e celulose veio de sua experiência em negociação de terras e exportações.

O primeiro passo fora dessa lógica foi a criação da Zetta Infraestrutura, em 2014, para aproveitar as oportunidades em áreas como energia, saneamento e transporte. Mas a Operação Lava-Jato e o péssimo momento da economia brasileira fizeram com que os irmãos Batista mudassem de ideia. Eles venderam três geradoras de energia e, neste ano, desistiram da Zetta Infraestrutura.

A ordem, daqui para a frente, é investir em negócios com potencial fora do país, com o mínimo de interferência do governo e o máximo de margem de lucro. Prova de seu apetite é a negociação com o grupo Votorantim para comprar a Fibria, maior fabricante de celulose do mundo, e que quase dobrou de valor na bolsa nos últimos 12 meses porque tem boa parte de suas receitas em dólar.

Segundo EXAME apurou, as negociações esfriaram recentemente. Procurados, os Batista não deram entrevista. Mesmo sem uma estratégia detalhada para a Alpargatas, a J&F já definiu quem vai ficar à frente do negócio. EXAME apurou que o escolhido é o executivo Vicente Trius, ex-presidente da varejista Walmart no Brasil.

Márcio Utsch, presidente da Alpargatas há 12 anos, continua na presidência, mas será Trius o responsável pela estratégia de crescimento da Alpargatas no varejo internacional — principalmente das marcas Havaianas e Osklen, de luxo. “Há muito espaço para crescer, especialmente em países como os Estados Unidos”, diz um executivo próximo à Alpargatas.

Com a escolha de Trius para comandar o novo negócio, a J&F segue uma estratégia de gestão que se consolidou nos últimos anos. Os irmãos Batista costumam contratar executivos de renome para seus projetos. No início, eles são acompanhados de perto e, confiança conquistada, ganham autonomia.

Foi assim com o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles no Banco Original, com o ex-presidente da Sadia Gilberto Tomazoni na JBS Foods e com o ex-presidente da Braskem Carlos Grubisich na Eldorado. “O desafio do crescimento acelerado é justamente equilibrar gente competente, ambição e controles adequados”, diz a especialista em gestão Betania Tanure.

A Havaianas é, no segmento de calçados, o símbolo do que a J&F já vem tentando fazer em seus outros negócios. O presidente do grupo JBS, Wesley Batista, passou os últimos 12 meses repetindo como um mantra para investidores e funcionários termos e expressões como “descommoditização” e “valor agregado”.

Nos últimos anos, contratou o ator Tony Ramos para fortalecer a marca de carne bovina Friboi, num mercado marcado por produtos sem valor agregado, e investiu para que a marca de alimentos Seara pudesse competir com Sadia e Perdigão, que pertencem à BRF. A margem de lucro da JBS Foods, dona da marca, já é maior do que a da concorrente — 21% ante 18% no último trimestre.

Na empresa de leites e derivados Vigor, a J&F lançou o maior sucesso do mercado de iogurtes nos últimos anos, a linha de iogurtes gregos, rapidamente copiada por todos os concorrentes. No total, o investimento anual da JBS em marketing, de meio bilhão de reais, é quatro vezes maior do que há três anos.

Investigações

Nenhuma das 13 aquisições feitas pelo grupo nos últimos dois anos recebeu dinheiro do governo. E a compra da Alpargatas, que será paga à vista, na teoria poderia ajudar a afastar um pouco da fama que acompanha a JBS há alguns anos — de que a empresa só cresceu graças ao dinheiro barato do BNDES e de seu empurrãozinho como acionista, por meio do fundo de investimento BNDESPar.

A JBS simbolizou como ninguém a estratégia dos “campeões nacionais”, grupos brasileiros escolhidos pelo governo do PT para receber apoio público para crescer. Os Batista dizem que, diferentemente do que aconteceu com outras dezenas de investimentos furados do BNDES, com a JBS o banco estatal ganhou dinheiro — cerca de 5,5 bilhões de lucro.

Entre empréstimos e investimentos em ações, a J&F recebeu 8 bilhões de reais do BNDES desde 2005. Segundo analistas, o apoio do governo começou recentemente a pesar contra a JBS na bolsa — com os contratos entre governo e empresas privadas sendo olhados com lupa em diversas operações da Justiça.

A nova fase da Lava-Jato prendeu o pecuarista José Carlos Bumlai, que teria recebido financiamentos do BNDES para uma empresa inativa, e também houve busca e apreensão na família Bertin, que vendeu sua empresa para a JBS em 2009. As ações da JBS caíram 13% desde a prisão de Bumlai, no fim de novembro.

Em janeiro, a J&F apareceu citada em uma planilha do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa com supostos pagamentos por prestação de serviço da consultoria Costa Global. “É inegável que as investigações envolvendo o agronegócio e o BNDES trazem certa tensão em relação à JBS”, diz o analista de um banco americano. No início do ano, a JBS negou relacionamento com Paulo Roberto Costa.

A tensão aumentou com uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU), cujo primeiro parecer foi concluído no final de novembro, e aponta indícios de irregularidades em quatro operações do banco com a JBS. O TCU abriu processos individuais para aprofundar a investigação e julgá-las caso a caso.

“Há indícios de dano ao patrimônio do BNDES e ao Erário no montante total de 847,7 milhões de reais”, afirma o TCU em nota a EXAME. Uma dessas operações é a conversão de debêntures em ações, resultantes da compra da americana Pilgrim’s Pride, em 2012, em que o BNDES renunciou a um prêmio de 10% por ação a que tinha direito, sem justificativa.

Em nota, a JBS disse que “o TCU não está investigando a empresa” e que as operações foram transparentes. O BNDES diz que vai aguardar o trabalho do TCU e tem convicção de que os investimentos na JBS foram realizados pelo banco “com rigor técnico, impessoalidade e precisão”. A decisão do TCU, segundo EXAME apurou, poderá levar mais um ano.

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