Eduardo Fischer, 46 anos, e Alexandre Lafer Frankel, 40, tinham muito o que falar. CEOs de uma indústria que passou por maus bocados nos últimos anos, eles trocaram opiniões e compartilharam experiências por uma hora e trinta e seis minutos contados no mostrador do celular. Eduardo, presidente da MRV, chegou para a conversa às 11h em ponto. Alexandre, da Vitacon, atrasou dez minutos para chegar ao WeWork da Avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, uma das mais importantes artérias de negócios da capital paulista. Foi prontamente perdoado pelo interlocutor. Eduardo ouviu o bombardeio de perguntas durante trinta minutos seguidos. Respondeu pacientemente uma a uma. Quando Alexandre já saciara sua curiosidade sobre a maior construtora do país, o CEO da MRV agarrou o timão da conversa, e quis entender mais sobre a jovem empresa que encontrou um novo nicho — o de apês supercompactos. Os dois nunca tinham se cruzado, mas quem os ouviu conversar com fluência sobre mobilidade, tecnologia, política e os rumos do mercado saiu com a certeza de que pode até faltar espaço, mas um bom papo, não.
Alexandre lafer Frankel Para produzir com preço baixo, você tem de construir residências nas franjas da cidade. E a maioria dos empregos continua na área central. Como você lida com esse problema?
Eduardo Fischer Isso acontece em São Paulo. Mas se você vai para a maior parte das cidades onde estamos, não. São cidades de 200 mil, 300 mil habitantes, onde consigo ter posição boa. Nas grandes cidades, a gente investe. Custa um pouco mais caro, mas vale a pena. Quero sempre estar em locais que tenham algum tipo de transporte público. Veja o projeto com lançamento este mês, em Pirituba [distrito de São Paulo]. É o maior empreendimento de nossa história. Tem R$ 1,7 bilhão de Valor Geral de Vendas [VGV]. É [como se fosse] um bairro, com 25 empreendimentos [edifícios], cada um com 18 pavimentos. Fica perto do Tietê Plaza Shopping, a 400 metros da Marginal, a 800 metros da estação da CPTM [Companhia de Trens Metropolitanos]. É premissa nossa. Não dá pra fazer um lixo de coisa, lá no fim do mundo. Na hora em que a Caixa Econômica passa a ter problema porque os imóveis começam a não ser pagos, quando o cara entende que o imóvel dele vale menos do que ele está pagando, o negócio desmorona inteiro. Não quero isso. Agora, é admirável o que vocês estão fazendo também. Sacudiram o mercado com uma proposta que não é nem de produto, é de mudança de estilo de vida. Minha dúvida: ela é escalável? É possível levá-la para outras praças?
Alexandre A empresa acabou de completar oito anos. É muito jovem e tem muita coisa para fazer ainda em São Paulo. Mas a expansão é perfeitamente possível. A forma que encontramos de popularizar a moradia urbana foi reduzir a unidade a um tamanho de até dez metros quadrados. Não consigo comprar terreno barato nos bairros nobres. Mas ao reduzir a unidade e colocar tecnologia, eu a torno acessível (Um pacote pode incluir fechadura biométrica, comando para fechar as cortinas e timer que regula a temperatura ambiente antes de o morador chegar). A partir de R$ 100 mil, dá para morar em Higienópolis [bairro nobre de São Paulo]. Obviamente, não atende todos os públicos. É para um cara em determinado ponto da vida. Solteiro, estudando, vem a São Paulo com frequência [mas não mora na cidade]. Alguém em transição, que se separou. Se eu tivesse a sua competência para produzir barato em escala, a mesma coisa que você faz para a população de baixa renda eu faria para a população de renda média, ou média alta urbana. Precisamos ganhar competências ainda. Mas a vontade é, sim, expandir. Estudamos algumas coisas fora de São Paulo.
Eduardo Você vê alguma ruptura no nosso negócio?
Alexandre Várias. Muitas relacionadas aos hábitos de consumo e a novas tecnologias que vão aparecer. Acredito muito também no compartilhamento de recursos ociosos. Desde as áreas comuns até carro, bicicleta. Os carros autônomos talvez transformem completamente a dinâmica de moradia urbana. Temos o trabalho remoto. O cara pode não precisar mais ir trabalhar fisicamente. Sem a limitação geográfica, o setor muda completamente.
Eduardo As pessoas vão querer comprar apartamento daqui a 10, 15 ou 20 anos?
Alexandre Acredito que vão começar a pensar na moradia mais como um serviço, em vez de se endividar por 30, 40, 50 anos. No Brasil, ainda temos essa cultura latina, de querer ter. Mas isso vai mudar muito rápido. A questão é como financiar. Com os juros pela primeira vez a 7%, e juros reais de 3% a 4%, o negócio começa a parar de pé. Obviamente, não será um modelo para o mercado inteiro, mas vai atender a uma parcela significativa dele.
Eduardo A evolução do seu produto passa por agregar serviços e oferecer solução de vivência?
Alexandre Já estou provendo vários serviços. O cara tem a unidade em que dorme e usa o prédio como um complemento da própria casa. Uma parte dos serviços é terceirizada (Entre os serviços agregados, agendamento de limpeza e concierge por meio de um aplicativo. Em alguns empreendimentos, compartilhamento de cozinha, motos e até de ferramentas), mas tem sempre uma mão nossa na gestão. Muitas vezes o cara que compra o apartamento quer locar. Presto serviço para esse cara que é investidor. Em São Paulo, hoje, um terço da base é locada. Fazemos muitas parcerias estratégicas, também. Porque, obviamente, não vou ser o melhor em alugar carro, por exemplo.
Eduardo É um dilema nosso: ainda preciso fazer vagas de garagem? O meu cliente acha que sim.
Alexandre Hoje, sim. Mas já vendo muito apartamento sem vaga. São os primeiros a sair, os mais baratos. Não existe mais casal com dois carros. O próximo passo é o que fazer com as vagas ociosas. Já tem gente criando tecnologias para isso.
Eduardo O que você vê no futuro?
Alexandre Vai ter muita tecnologia embarcada nos produtos. Não vai mais ser possível ter só tijolo e massa. Vamos ter diversas soluções agregadas à moradia. Já tem startups que mandam serviços de limpeza automaticamente para o seu apartamento, com base no seu histórico de demanda. Outras que medem quantas vezes você abriu e fechou a geladeira e te enviam cerveja, porque sabem que você consumiu as que tinha. Isso a gente está fazendo. Fizemos também uma joint venture com a Intel e a IBM. Estamos desenvolvendo prédios com inteligência embarcada. A beleza disso é que não sei onde vai parar. Assim como o cara que criou este telefone não sabia que ia ter um Waze nele um dia, provavelmente alguém vai criar um “Waze” para os prédios no futuro. Não sei o que será, mas tenho de estar preparado.
E vocês? Vendem basicamente via Minha Casa, Minha Vida. Não é arriscado ficar exposto a uma só fonte de financiamento, e ainda sujeita à interferência política?
Eduardo Existia um grande temor, lá atrás, de descontinuidade com a saída da Dilma e a entrada do Temer. Mas nem o nome do programa mudou, porque todos os governos entendem que temos de promover a habitação com velocidade. Se você não atende à necessidade de moradia quando ela surge, o cidadão vai dar um jeito qualquer e gerar problemas como urbanização irregular, loteamento invadido, favelas. A questão que temos hoje para habitação como um todo no Brasil é financiamento. Temos basicamente o fundo de garantia e a poupança. Precisamos de um financiamento de mercado, com uma taxa de juros e uma situação macroeconômica equilibradas. As Letras Imobiliárias Garantidas [LIGs], que estão sendo regulamentadas, podem ser uma alternativa. Mas se o Brasil perder o controle macroeconômico de novo, essa lógica não fica em pé. Essa, sim, é a minha principal preocupação de longo prazo.
Alexandre Vejo dois méritos na MRV, no trabalho com as linhas de crédito de baixa renda e na tecnologia construtiva com custo e escala fenomenais. Você enxerga esses como seus grandes diferenciais?
Eduardo Tem algumas coisas. Primeiro, os agentes externos. Fontes de financiamento são um deles. O percentual de venda à vista é de menos de 1%. Nosso negócio é de ciclo muito longo. Mas tem algumas vantagens: demanda maior que a oferta e impossibilidade de importar. Ninguém importa apartamento. Isso vale para mim e para os meus concorrentes. Qual foi o mérito nosso, na MRV? A gente enxergou, lá atrás, que existiria um mercado enorme. E decidimos ocupar uma fatia maior dele. Em 2006, criamos o que chamamos de MRV 40 mil, um plano que preparava a empresa para produzir 40 mil unidades por ano, de forma equilibrada. Na época, produzíamos 4 mil. Atingimos a meta em 2011. Este ano, vamos chegar a 50 mil. Foi lindo, suave e tranquilo? Não. A gente começou a crescer e, de repente, nossos clientes não conseguiam falar conosco nos canais tradicionais de atendimento. Na época, uma das minhas tarefas como diretor era ligar para o nosso call center, ver se eu conseguia ser atendido e quanto tempo levava. Estávamos atendendo só a pouco mais de 30% das ligações, no pior momento. Hoje, cerca de um em cada 200 brasileiros mora em apartamento da MRV. Dá 1 milhão de pessoas. Se estiverem falando mal de mim, esquece.
Alexandre Fala-se que o setor é regionalizado e que a expansão afeta a economia de escala. Mas a MRV prova que ter escala é bom e se expandiu por outras regiões.
Eduardo Investimos pesadamente em tecnologia. Mas não foi o principal fator. O principal — pode parecer clichê — é gente. Cada funcionário que temos precisa estar cada vez mais preparado. Temos um índice que usamos há quase 40 anos, o IP. É o índice de pessoas para produzir um apartamento. Pego o número de pessoas no canteiro de obras e divido pelo número de unidades produzidas. Quando a gente abriu capital, o IP era 12. Hoje, a média é 5,5. Nossa meta é chegar a 3. Na MRV, temos um único produto, ou um produto próximo de ser único. Então, sei quanto tem de custar. Tenho referência para saber o que é uma boa obra. Uma boa obra é cumprir o orçamento ou fazer um pouquinho abaixo. Se uma boa obra custa 100, uma ruim pode sair por 150 com facilidade. Se você fizer uma obra ruim, tem de fazer cinco 10% abaixo do orçamento. Uma já é raro. Foi aí que todo mundo se ferrou e a gente se saiu bem.
Alexandre Qual é seu custo médio de construção hoje?
Eduardo Em torno de uns R$ 1 mil e poucos o metro quadrado, na área privativa. Há seis anos, resolvemos mudar o processo construtivo, extremamente artesanal. Olhamos muita coisa e elegemos a fôrma de alumínio, com parede de concreto. Depois, implantamos paulatinamente. Em dezembro, já usávamos em 70% da produção. Quando começamos, era muito mais caro que o método tradicional. Hoje, é mais barato e tem potencial para ser ainda mais.
Alexandre Qual é a chance de produzirmos unidades modulares em uma fábrica central e deixarmos de depender de mão de obra local?
Eduardo Acho difícil pela logística. Você vai transportar muito ar em módulos. A não ser que tenha fábricas locais, vai encarecer demais. A gente está ligado no que acontece de novo no mundo. Fui a Tel-Aviv [Israel] em setembro, falei sobre a MRV e ouvi muitos cases legais (Na viagem, a MRV fechou contrato com a Intervyo para fazer os processos de entrevista de contratação online usando inteligência artificial). Tem de estar com o nariz lá para entender. Porque, de repente, você amanhece com alguém imprimindo casas. Talvez seja esse o futuro.