“Aqui você não tem escolha, não é o que você pode pagar, é o aluguel na lei da oferta e procura”, afirma Zilda de Jesus Nascimento, de 34 anos, moradora de Paraisópolis, na Zona Sul da capital paulista. Sem amparo na lei e sujeitos à informalidade, os inquilinos de imóveis em favelas de São Paulo têm enfrentado altas muitos mais elevadas do que as encontradas no mercado formal e chegam a comprometer metade de suas rendas com o aluguel.

Em 2011, Zilda pagava R$ 350. Hoje, paga quase o dobro: R$ 600. Relatos de moradores como ela mostram que o aluguel em favelas como Paraisópolis e Heliópolis, ambas na Zona Sul, subiu até 50% entre 2013 e 2014. O reajuste está muito acima do registrado no mesmo período para imóveis residenciais legalizados da cidade, que ficou em 9,3%, segundo pesquisa do Sindicato da Habitação (Secovi).

Líderes comunitários das duas favelas confirmam os aumentos indiscriminados. “As pessoas não aguentam mais porque pagavam R$ 400 antes, e agora pagam R$ 600. Já os salários continuam os mesmos, R$ 1.000 ou R$ 1.100”, diz Manoel Otaviano, responsável por programas de moradia da União de Núcleos, Associações e Sociedades de Moradores de Heliópolis (Unas). “Aqui dentro aumentou a valorização, mas como o pessoal não tem a escritura, cada um faz o seu preço, não tem valor de mercado”, acrescenta.

Em Paraisópolis, o diretor da União dos Moradores, Isaac Bezerra, relata aumentos anuais de R$ 100 a R$ 200. “E o auxílio-aluguel continua R$ 400”, afirma. A ajuda é concedida pela prefeitura para pessoas removidas de suas casa por causa de obras públicas, por determinação judicial ou porque vivam em áreas de risco. A prefeitura também diz que está fazendo investimentos em moradia em favelas de SP (veja nota no final da reportagem).

Sem alternativa, os moradores acabam gastando mais da metade do salário no aluguel. “Com os descontos, meu salário dá uns R$ 930, e gasto R$ 500 com aluguel. Não dá para comprar carro, não dá para pagar uma faculdade, vai tudo no aluguel, é um dinheiro que não tem retorno”, conta a auxiliar de limpeza Beatriz Oliveira da Silva, de 27 anos. Há dois anos ela mora em um imóvel de dois cômodos (quarto e cozinha) com o marido e um filho em Heliópolis.

[quote_box_right]Aqui você não tem escolha, não é o que você pode pagar, é o aluguel na lei da oferta e procura”
Zilda de Jesus Nascimento, moradora de Paraisópolis[/quote_box_right]

Sem contrato
Ela e a amiga Cleidiane Ricarda de Oliveira, auxiliar de cozinha de 26 anos que mora com o marido e duas filhas em uma casa de alvenaria de dois cômodos, pagam o aluguel em dinheiro, diretamente para o proprietário. “Não tem contrato, nunca fiz. Tenho que sair a qualquer momento, se ele [o dono do imóvel] mandar. E ele aumenta o que ele quiser. Fala que, se a gente não quiser, tem outros que querem”, conta Cleidiane.

A informalidade do mercado imobiliário das favelas está entre os principais fatores da disparada dos aluguéis nessas regiões. Quando há um contrato formal, o valor não pode aumentar mais do que o índice acordado durante o período de vigência do documento. “No informal, a diferença é que você não espera o término, e a qualquer momento esse preço aumenta. Isso é ruim para o morador, pois ele está exposto a uma renovação forçada”, explica o economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) Eduardo Zylberstajn.

Segundo o advogado Marcelo Tapai, especialista em Direito Imobiliário e Consumidor, é comum a prática de “contratos verbais”, e eles não estão fora da legalidade. Entretanto, com o contrato verbal “fica difícil provar o que foi acordado entre as partes”, e o locatário sai prejudicado na maioria das vezes, explica.

[quote_box_right]Eu acredito, sim, que vou sair do aluguel. À medida que o tempo vai passando, a gente vai ficando mais próximo disso”
Vera Lúcia dos Santos, moradora de
Heliópolis[/quote_box_right]

Mesmo sem um contrato formal, o aumento indiscriminado é ilegal, afirma o advogado. “O locador não pode aumentar assim. Ele deveria estabelecer na formação do contrato, ainda que verbal, qual o índice que vai regular e qual o período de vigência e de reajuste. Existe aí um mercado paralelo que não obedece legislação nenhuma”, afirma Tapai. Assim, acaba valendo a “lei do mais forte”, afirma o advogado. “Se ele [o locador] percebe que há um número muito grande de interessados, depois de seis meses ele dobra o aluguel mesmo.”

Oferta e demanda

Apartamentos sociais e barracos convivem lado a lado na região de Paraisópolis, Zona Sul (Foto: Amanda Previdelli/G1)
Apartamentos sociais e barracos convivem lado a lado em Paraisópolis (Foto: Amanda Previdelli/G1)

A explicação mosta que as favelas também são influenciadas pelos fatores que regulam o mercado formal, como a relação oferta-demanda. Eduardo Zylberstajn explica que a infraestrutura urbana é limitada, e as pessoas têm poucas alternativas de moradia. Enquanto isso, a demanda só aumenta – por questões demográficas e de renda.

Só entre 2010 e 2014, São Paulo ganhou 642.390 novos habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período, o salário mínimo aumentou de R$ 510 para R$ 724. Assim, mais pessoas buscam moradia em São Paulo e mais pessoas têm dinheiro para pagar um aluguel. Por isso, o valor dos imóveis tende a aumentar.

Por causa dos aumentos indiscriminados, Zilda já pensou em deixar Paraisópolis e ir para ocupações organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Desde que foi removida de casa pela Prefeitura por estar em zona de risco, há dois anos, aguarda na fila para moradia popular – e espera que o apartamento prometido seja entregue antes da filha dela, de 5 anos, ficar mais velha. “Quando é que vai sair esse apartamento? Minha filha está crescendo e quando vai vir? Quando ela tiver 10, 15 anos? É bem repugnante essa situação”, afirma.

Vera Lúcia dos Santos, educadora e moradora de Heliópolis: "não me sobra nada" (Foto: Amanda Previdelli/G1)
Vera Lúcia dos Santos, educadora e moradora de Heliópolis: “não me sobra nada”; (Foto: Amanda Previdelli/G1)

Casa própria
O aumento da despesa com moradia torna cada vez mais distante uma casa própria para o morador da favela. A auxiliar de limpeza Beatriz nem se inscreveu na lista dos que buscam moradia popular do Movimento Sem Teto de Heliópolis. “Já tem gente demais, tem pessoas com dez anos de fila”, diz.

Já Cleidiane disse que tentou entrar em projetos sociais para conseguir moradia. “Mas tem uns que cobram. Daí vou pagar aluguel e ainda pagar para ficar na fila?”, questiona.

A educadora Vera Lúcia dos Santos, de 44 anos, que vive há oito em uma casa alugada em Heliópolis, tem mais esperanças. Ela está há três anos na lista dos Sem Teto de Heliópolis.

“Eu acredito, sim, que vou sair do aluguel. À medida que o tempo vai passando, a gente fica mais próximo disso. A luta é grande, mas a gente tem visto também muita conquista de imóvel”, conta. Atualmente, 40% do salário de Vera é gasto com aluguel.

Secretaria da Habitação
Questionada sobre as informações da reportagem, a Prefeitura enviou uma nota na qual explica como funciona o auxílio-aluguel e aponta os investimentos para moradia popular promovidos pela Secretaria da Habitação nas regiões de Heliópolis e Paraisópolis.

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