Para tentar estimular a economia, em meio a uma profunda recessão, o governo prepara uma série de medidas para destravar investimentos, um plano tratado internamente como uma espécie de “novo PAC”. Mas obras anunciadas ainda no primeiro PAC, em 2007, e que já deveriam ter sido entregues há anos, continuam inacabadas. Levantamento mostra que, das 10 maiores obras anunciadas pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no lançamento do Programa de Aceleração de Crescimento, há nove anos, apenas duas, na área de petróleo, foram totalmente concluídas. Outras três usinas de energia e uma refinaria até entraram em operação, mas de forma parcial – ainda estão em obras.

A maior obra anunciada em 2007, a refinaria Premium 1, no Maranhão, com projeção de investimentos de R$ 41 bilhões, foi simplesmente abandonada, com prejuízo de R$ 2,1 bilhões para a Petrobras.

O PAC foi lançado no governo Lula, em tempos de bonança econômica, com o objetivo declarado de “estimular o aumento do investimento privado e do investimento público, principalmente na área de infraestrutura” e “desobstruir os gargalos que impedem os investimentos”, nas palavras do então ministro da Fazenda, Guido Mantega.

O programa previa um total de R$ 503,9 bilhões em investimentos em mais de mil projetos. Em 2010, asobras ainda em andamento foram reembaladas, juntadas a outras e o governo lançou o PAC 2, com projeção de investimentos de R$ 1 trilhão. No início do seu segundo mandato, no ano passado, a presidente Dilma Rousseff disse que lançaria a terceira fase do programa, que ainda não saiu do papel.

Crédito para casa própria

O PAC sempre esteve associado a investimentos públicos injetados em projetos prioritários de infraestrutura, principalmente em áreas como transporte, energia e saneamento. Uma avaliação sobre o histórico de sua execução financeira, no entanto, revela que o programa lançado em 2007 sempre foi, na realidade, uma iniciativa inflada pelos financiamentos da casa própria tomados pelo cidadão.

De 2007 a 2014, os aportes feitos pelo PAC 1 e 2 somaram R$ 1,490 trilhão, conforme informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) compiladas pela organização Contas Abertas. Desse total, revelam os dados oficiais, mais de R$ 502 bilhões, o equivalente a 34% do total, são oriundos de empréstimos habitacionais tomados por cidadãos em bancos públicos, para compra e reforma da casa própria. Outros R$ 78 bilhões estão ligados a empréstimos subsidiados do programa Minha Casa Minha Vida. Isso significa que quase 40% de tudo o que foi computado pelo PAC como investimento em infraestrutura durante oito anos não passa, na realidade, de dinheiro do cidadão usado para comprar seu teto.

O peso do financiamento habitacional fica ainda mais aparente se consideradas apenas as “ações concluídas” entre 2007 e 2014. Do total de R$ 1,119 trilhão desembolsado no período para essas ações, 52% se enquadram na categoria de financiamento habitacional, enquanto os projetos de transporte, por exemplo, que englobam investimentos em rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos, representaram apenas 11% do total, com R$ 124,3 bilhões aplicados.

“Os resultados do PAC são inflados pelo financiamento habitacional. Em 2007, quando o programa foi divulgado, a previsão desses empréstimos era chegar a R$ 74,5 bilhões. No último balanço completo divulgado, em outubro de 2014, o governo afirma que financiou R$ 502,2 bilhões até aquela data”, diz o secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco. “Os grandes financiadores do PAC são os cidadãos, que tomam empréstimos e vão pagá-los com juros.”

Estatais

Descontados os desembolsos ligados à moradia, quem mais financia os projetos do PAC são as estatais, que em oito anos do programa investiram R$ 434,2 bilhões, ou 29% do total aplicado. A injeção direta feita pelos cofres públicos, ou seja, o dinheiro que sai do Orçamento Geral da União, representou 10% do que foi aportado.

Até novembro de 2015, o volume de investimentos feito no âmbito do PAC acumulava queda de 40% em relação ao ano passado. Na última semana de dezembro, porém, o governo decidiu dar fim a uma pedalada que envolvia o FGTS usado no financiamento habitacional e acertou as contas com a Caixa Econômica Federal, com um aporte de R$ 10,5 bilhões. Com esse desembolso, a queda de investimentos ficou em 25% em relação ao ano anterior.

Em 2014, a movimentação financeira do PAC atingiu R$ 62,912 bilhões, em preços corrigidos pela inflação, ante os R$ 47,254 bilhões atingidos em 2015. Questionado sobre o desempenho do PAC em 2015, o Ministério do Planejamento informou que o resultado, “apesar do quadro de ajustes da economia, mostra que o programa está em andamento e com desempenho bastante expressivo”.

Perguntado sobre a razão de tratar os empréstimos habitacionais feitos pelo cidadão como investimento do PAC, o Planejamento declarou que “os investimentos do financiamento habitacional SBPE (imóveis novos) compõem o PAC desde o início em função de seus impactos anticíclicos” na economia como um todo.

Sobre o plano de lançar o PAC 3, o ministério informou apenas que “o PAC é um processo contínuo de planejamento e execução de empreendimentos de infraestrutura em todo o País” e que, “nesse sentido, asobras constantes do programa continuam em execução e novas ações prioritárias estão sendo incluídas desde 2015”.

A respeito das mudanças no balanço divulgado sobre a execução do programa, que deixou de detalhar o andamento de diversas obras e passou a omitir o prazo de conclusão e andamento dos projetos, o Planejamento disse que “houve uma mudança no modelo de apresentação do balanço do PAC para inovar e tornar sua leitura mais agradável” e que as informações detalhadas continuam à disposição “no site do programa, no portal Dados Abertos e nas cartilhas estaduais”.

Avanços e atrasos no Complexo do Alemão

Quase oito anos após o começo das obras, o PAC investiu R$ 1,4 bilhão em recursos da União, estado e município no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, mas entregou apenas 53% das unidades habitacionais que planejara. No projeto inicial, estava prevista a aplicação de R$ 495 milhões, em valores da época.

O início dos trabalhos foi em 7 de março de 2008, quando a então ministra da Casa Civil e hoje presidente da República, Dilma Rousseff, foi apresentada como a “mãe do PAC” pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia na comunidade. As redes de esgoto e de água tiveram os maiores avanços, embora o teleférico chame mais atenção, mesmo tendo sido fechado em pelo menos 11 ocasiões no ano passado por causa dos tiroteios entre bandidos de quadrilhas rivais e entre bandidos e policiais.

O Complexo do Alemão é formado por 30 favelas onde vivem 60,5 mil pessoas, segundo o Censo 2010 do IBGE. O planejamento do PAC divulgado ainda em 2007 estabelecia a construção de 1.716 unidades habitacionais. Mas até agora foram entregues 920, de acordo com a Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop), responsável por coordenar a execução dos trabalhos do PAC.

A licitação para as obras de urbanização planejadas pelo PAC nos complexos de favelas do Alemão, Rocinha e Manguinhos é alvo de investigação da Polícia Federal no Rio. Na quarta-feira, o delegado responsável pela apuração, Helcio William Assenheimer, solicitou informações à Operação Lava Jato. Ele investiga se houve conluio entre as empresas líderes dos consórcios vencedores dos contratos. O Consórcio Rio Melhor, liderado pela empreiteira Odebrecht, é investigado em um outro inquérito sobre superfaturamento de R$ 127,4 milhões nas obras do PAC no Alemão.

Problemas estruturais

Parte das moradias entregues estão com problemas estruturais, como vazamentos, infiltrações e rachaduras. Um desses apartamentos pertence a Maria de Fátima dos Santos, 49 anos. A dona de casa mora no Condomínio Poesi, na Estrada do Itararé, um dos acessos ao conjunto de favelas, para onde famílias removidas foram levadas. Ela enfrenta problemas desde a mudança para a nova moradia. O principal é na tubulação, que retorna esgoto pelo ralo da pia na cozinha. “Os problemas começaram dois meses após me mudar.”

Maria precisou deixar sua quitinete – de três cômodos, onde vivia com os quatro filhos – no Morro do Adeus para a construção de uma das torres do teleférico, em agosto de 2010. A obra custou R$ 210 milhões e foi inaugurada em julho de 2011.

Na estação Itararé, no alto da favela Nova Brasília, funciona a base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) que atende a comunidade. Quem chega ao local em uma das 152 gôndolas do teleférico vê um prédio bem acabado pela frente. “Basta dar a volta pelos fundos para ver a área do Capão abandonada, com esgoto a céu aberto, lixo, ratos, baratas e focos de mosquito da dengue”, afirmou o diretor da Associação de Moradores da Nova Brasília, Alan Luiz Santos.

“Só fizeram bonito na parte baixa do morro”, reclamou a ambulante Maria Luiza Gomes, 50 anos. Uma parede da casa dela foi demolida com a casa do vizinho, na Nova Brasília. O argumento para colocar o imóvel abaixo era de que a obra de saneamento passaria ali. “Até hoje sofro na cozinha com o mau cheiro do valão. Mas o serviço de água e coleta de lixo melhorou.” Desde o início das obras, foram instalados 38,3 mil metros de rede de esgoto, 20 mil metros além do que estava previsto. Também foram construídos 38,3 mil metros de rede de água e 27 mil metros de drenagem, segundo dados oficiais.

Segundo a Emop, o Capão é uma área de risco e famílias tiveram de ser removidas com a demolição de algumas casas. “Está prevista a remoção dos entulhos em uma complementação do PAC 1”, informou o órgão em nota, embora o Ministério das Cidades tenha divulgado que a área não integra a “intervenção de urbanização” realizada com recursos do PAC no Alemão.

Promessas

Alguns dos projetos considerados prioritários não saíram do papel, como o Parque Serra da Misericórdia, previsto para ser construído no alto da serra, entre o Morro do Juramento e os Complexos do Alemão e da Penha. A promessa em 2007 do então secretário estadual de Obras Luiz Fernando Pezão, hoje governador do Estado do Rio, era de que o espaço ficaria no estilo do Parque do Flamengo, “com muito verde, área de lazer e um lago”. No fim de 2010, a prefeitura do Rio publicou decreto transformando a Serra da Misericórdia em parque urbano, para receber áreas de lazer, quadras poliesportivas, equipamentos de ecoturismo, esportes de aventura, ciclovias e trilhas.

A prefeitura informou que o projeto foi cancelado e transferido para o governo do Estado. A Emop, por sua vez, anunciou que não há projeto para o Parque da Misericórdia. O Ministério das Cidades, em nota, sustenta que o parque não faz parte das intervenções do PAC.

Na área de educação, os recursos do PAC foram responsáveis pelas 5 mil vagas no Colégio Estadual Tim Lopes, que homenageia o jornalista assassinado por traficantes no Complexo do Alemão em 2002. O acesso a unidades de ensino foi o principal responsável pelo aumento do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal do complexo de favelas. Com o projeto das UPPs abalado pelo avanço do tráfico, a violência é crescente na região. Os relatos de tiroteio são praticamente diários e têm afetado a área de educação. No ano passado, 35 escolas municipais situadas na região administrativa onde o Alemão está inserido tiveram de fechar pelo menos uma vez por causa da violência, segundo a Secretaria Municipal de Educação.

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