São Paulo – Duas faculdades, mestrado, doutorado, pós-doutorado, eleita pelo MIT(Massachusetts Institute of Technology) uma das jovens mais inovadoras do Brasil, nomeada membro afiliada da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

É preciso  fôlego para ler o currículo inteiro da engenheira eletricista – que também é cientista da computação – Vanessa Testoni, pesquisadora do Samsung R&D Institute Brazil (SRBR). E ela só tem 36 anos.

Em conversa com EXAME.com na sede da Samsung em São Paulo, ela desmistifica a ideia de que títulos acadêmicos são mais indicados para quem quer seguir carreira dentro de universidades. É categórica em afirmar que, nesta área de engenharia e tecnologia, mestrado e doutorado serão cada vez mais essenciais como diferencial competitivo para quem quer trabalhar para empresas.

“Todas as pessoas com quem eu interajo na Samsung do time de pesquisa na Coreia do Sul e nos Estados Unidos têm doutorado: chefes, líderes, pesquisadores”, afirma. A seguir confira os principais trechos da conversa:

EXAME.COM: Você fez ciência da computação e engenharia elétrica ao mesmo tempo. Como dava conta do recado?
Vanessa Testoni: Muito café (risos). Eu só estudava, ia de uma faculdade para outra durante o dia. Aproveitava que na Universidade Federal do Paraná dava para escolher as matérias, na PUC-PR não dava, e puxava matérias dos últimos anos e ia encaixando no horário. Era o dia todo tinha aula e de noite estudando, assim como em feriados e fins de semana. Foi preciso muita disciplina organização e foco. Um fator que me ajudou é que a federal do Paraná tinha muita greve, então meus períodos de provas nunca coincidiam, mas também nunca tive férias.

EXAME.com: Gostava igualmente das duas áreas, engenharia elétrica e ciência da computação?
Vanessa Testoni: Eu realmente me identifiquei com os dois cursos. Programar para mim é um prazer, passava a madrugada programando, e feliz. Para cursos que exigem tanta dedicação assim, você precisa gostar. A não ser que tenha outra motivação muito forte, talvez familiar. Eu não tinha, foi realmente que me encontrei nessa área. Não foi fácil, mas foi prazeroso.

EXAME.com: Você continuou estudando e também trabalhando. Novamente, como foi conciliar mestrado, doutorado e pós-doutorado e trabalho?
Vanessa Testoni: No Brasil as pessoas dividem muito as coisas e na engenharia e na tecnologia é junto. Um doutorado em engenharia elétrica é trabalho. As pessoas pensam que o mestrado ou o doutorado devem ser muito próximos do que fizeram na graduação, com aulas e provas. No primeiro ano você tem créditos a cumprir, então nesse primeiro ano (do mestrado e do doutorado) você realmente tem prova, tem matéria, senta na sala de aula, mas é um ano. Depois disso, nos outros anos você já está trabalhando. A minha rotina hoje na Samsung é muito próxima do que a que tinha na época do mestrado, doutorado ou do pós-doutorado.

EXAME.com: Mestrado, doutorado e pós-doutorado em engenharia e tecnologia não são, portanto, mais restritos aos interessados em dar aulas?
Vanessa Testoni: Eu nunca pensei em dar aula, eu sempre quis trabalhar com pesquisa dentro de empresa. Uma área que é muito teórica deve ter esta orientação e muitos devem pensar: vou fazer um doutorado porque depois vou dar aula numa universidade. Na carreira de computação e de engenharia elétrica não precisa necessariamente dar aula, as possibilidades são enormes.

EXAME.com: Quais são os caminhos possíveis de carreira que se abrem com títulos acadêmicos nestas áreas?
Vanessa Testoni: Vejo três caminhos. Tenho colegas que seguiram em três áreas. Você pode ser professor universitário, você pode trabalhar numa grande empresa como pesquisador ou você abre a sua própria empresa. Até esta questão do empreendedorismo é muito ligada a mestrado e doutorado. Tenho vários colegas que se especializaram numa área e depois criaram a sua empresa. A nossa área, em especial, de engenharia elétrica, ciência da computação e engenharia da computação é tudo muito aplicado. Oitenta por cento dos meus colegas fizeram coisas práticas, olhando coisas que estão acontecendo no mundo real. Ninguém está lá na academia, lendo publicações e escrevendo coisas que ninguém vai usar.

EXAME.com: A área de pesquisa no Brasil está sendo muito afetada pela crise?
Vanessa Testoni: A universidade está sofrendo muito com a crise, tem perdido bolsas e as empresas também estão. Nossos investimentos também diminuíram para pesquisa, nosso time também encolheu. A pesquisa no Brasil está sofrendo como um todo, assim como todas as outras áreas. Não estamos mais protegidos porque estamos dentro de uma empresa.

EXAME.com: Há diferença entre ser pesquisador na universidade e numa empresa?
Vanessa Testoni: As coisas são mais engessadas na academia do que são nas empresas. O que não quer dizer que a gente tem liberdade para pesquisar o que a gente quer dentro da empresa. Tudo o que pesquisamos está alinhado com o que a Samsung tem internacionalmente, alinhado com o que acontece no mundo. Na universidade você tem um pouco mais de liberdade para pesquisar o que quiser, mas mesmo assim ainda tem de estar alinhado com o que acontece globalmente. O pesquisador não pode estar isolado pesquisando um assunto em que ninguém mais está interessado. Para a universidade é muito importante a publicação da pesquisa. Se você está pesquisando um assunto em que ninguém está interessado você não publica em lugar nenhum. Quando você vai para uma empresa esse não é o foco principal. Por exemplo aqui dentro da Samsung a gente tem publicação de pesquisas, sim, mas o objetivo principal não é publicar.

EXAME.com: Mestrado e doutorado na área de engenharia e computação têm ganho mais importância também no mundo empresarial?
Vanessa Testoni: É uma tendência que não tem volta. Cada dia mais o pessoal que tem mestrado e doutorado está trabalhando nas empresas tanto no Brasil quanto fora do Brasil. Cada vez mais ter um mestrado e ter um doutorado na minha opinião vai agregar muito no currículo das pessoas que querem trabalhar em empresas. O número de doutores nas empresas na Coreia e nos Estados Unidos é enorme, todas as pessoas com quem eu interajo na Samsung, do time de pesquisa na Coreia e nos Estados Unidos têm doutorado, os chefes, os líderes, os pesquisadores.

EXAME.com: Você é a favor de que linguagem de programação seja ensinada nas escolas?
Vanessa Testoni: Fundamental que seja incluído como matéria curricular. Não tem volta. É interessante falar do pensamento lógico porque não se desenvolve nas escolas. O pensamento matemático é diferente do pensamento lógico. Quando eu comecei a ciência da computação, nem computador tinha em casa, e eu tive muita dificuldade para aprender a programar no começo porque o professor ensinava comandos e depois nos dizia para desenvolver o Tetris (jogo). A lógica para montar um programa é muito diferente do que decorar comandos.

EXAME.com. Recebemos o pensamento matemático na educação escolar, mas não o lógico?
Vanessa Testoni: Não se aprende a pensar logicamente para a resolução de um problema. O desenvolvimento de algoritmos poderia ser uma disciplina na escola fundamental. Articular o pensamento lógico dos alunos para a resolução de problemas. Muitos professores começam a ensinar lógica não com os comandos de uma linguagem mas utilizando uma pseudolinguagem lógica que desenvolve o pensamento lógico. Algo como: o que eu preciso fazer para completar esta tarefa. É esse tipo de coisa que precisa ser ensinado na escola, não necessariamente o aluno precisa sair sabendo programar C++, mas precisa sair dali tendo esse pensamento lógico.

EXAME.com: Você foi nomeada para a Academia Brasileira de Ciências (ABC) para a gestão de 2016 a 2020. O que pretende fazer neste período?
Vanessa Testoni: A academia organiza reuniões, neste ano está completando 100 anos. Vejo que tem uma participação na política, membros são chamados a opinar em iniciativas ligadas à ciência e à tecnologia. Vejo outro papel de disseminação da ciência no Brasil, que é uma coisa que eu já faço e que gostaria de fazer mais, agora estando dentro da academia. Claro que sempre vou falar da engenharia e da computação que sobre o que tenho propriedade para falar.

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