A CONSTRUÇÃO CIVIL está em crise: só em 2015 o setor sofreu uma retração de 7,6%, e 417 mil trabalhadores perderam seus empregos. Não é a primeira vez que esse segmento enfrenta dificuldades. Mas esta é a primeira contração econômica amplificada por fatores políticos: as maiores companhias do setor não estão sendo prejudicadas apenas pela redução dos investimentos: elas foram asfixiadas pela Operação lava Jato. Por quê?
Deflagrada em março de 2014, a Lava Jato investiga um esquema de desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, empreiteiras e políticos. Ela mostrou que as companhias do setor financiam os políticos e, em troca, são recompensadas com contratos nas estatais e no setor público. Tais conexões são antigas: a construtora Rabello, por exemplo, acompanhou a carreira de Juscelino Kubitschek da Prefeitura de Belo Horizonte até a Presidência. Após o golpe de 1964, a empresa definhou e pediu concordata. Trajetórias assim são comuns.
Mas, embora as construtoras financiem muitos partidos, a Lava Jato tem se concentrado nos “governos do PT’, como disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. pois “os governos anteriores realmente mantinham controle das instituições”. Esta seletividade não se manifesta só nos alvos políticos da operação, como apontou o colunista Janio de Freitas, da Folha de S.Paulo: “Nenhum dos dirigentes das empresas estrangeiras que pagaram suborno foi preso”.
Na opinião do presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino Pereira, não há dúvida de que “existe aí um interesse externo, de grupos estrangeiros incomodados com a projeção da engenharia brasileira no mundo. Tenta-se desmantelar essa participação internacional. 0 objetivo da Lava Jato não é punir as empresas, mas sim destruí-las”.
Hoje a construção civil é um setor dominado pelo capital nacional. Nem sempre foi assim. Como explica o historiador Pedro Henrique Pedreira
CRISES NA CONSTRUÇÃO CIVIL PRECEDERAM RUPTURAS POLÍTICAS
PIB da construção civil (variação real anual, em %)
Campos em Estranhas Catedrais: as Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar, 1964-198, até a República Velha as empresas estrangeiras realizavam a maioria das grandes obras no País. As companhias nacionais só conquistaram espaço nos governos de Getúlio Vargas e depois consolidaram seu domínio sob Juscelino Kubitschek.
A partir daí, o setor ganhou projeção nacional: as mudanças de regime têm ocorrido após crises no setor. Em 1964, a maioria das empresas aderiu ao golpe, mas logo «das se ressentiram da orientação inicial do regime, que defendia abertamente o capital estrangeiro. Só retomaram a hegemonia na gestão Costa e Silva, que criou uma reserva de mercado para as empresas nacionais, e chegaram ao paraíso com Emílio Médici, quando não precisavam se preocupar com problemas trabalhistas e ambientais.
A Construção adquiriu uma configuração monopolista, como observaram Cuido Mantega e Maria Moraes em Acumulação Monopolista e Crises no Brasil, e expandiram suas atividades mundo afora: até 1984 as empresas locais já tinham fechado 444 contratos no exterior em mais de 50 países.
O grande capital nacional apoiou a ditadura até o fim (embora com críticas ao ajuste fiscal ortodoxo que marcou o final do regime), mas as pequenas construtoras se alinharam à oposição. No governo Sarney o setor ajustou seu discurso aos novos tempos e logrou incluir na Constituição um artigo que assegurava às empresas nacionais tratamento preferenciai na aquisição de bens e serviços.
Tudo mudou nos governos neoliberais de Fernando Collor (que anulou o decreto de 1969) e Fernando Henrique Cardoso (que removeu da Constituição todas as medidas de proteção ao capital nacional). É só nos governos Lula e Dilma que o Estado retoma as políticas de fomento às empresas brasileiras. Isso acaba em 2015, quando os empresários, pressionados pela Lava Jato e desapontados com o ajuste do ministro Joaquim Levy, passam a apoiar o impeachment.
A crise atual é mais um exemplo do chamado “paradoxo do nacionalismo”. Quando um presidente de esquerda (Getúlio, Jango, Lula/Dilma) chega ao poder no Brasil, ele adota uma política nacional-desenvolvimentista para soldar uma aliança de classes que lhe permita ter apoio político num Congresso conservador.
O problema é que, nas crises agudas, o empresariado nacional abandona o governo e, com isso, abre caminho para gestões alinhadas ao capital estrangeiro, como Café Filho em 1954, Castello Branco em 1964 e Michel Temer em 2016. Só aí ele se dá conta do custo de sua opção.
O atual governo sinaliza que não vai socorrer o setor: já sustou a nova etapa do Minha Casa Minha Vida e quer atrair o capital extemo. A abertura é inevitável? Talvez não: “Há milhares de construtoras pequenas e médias vocacionadas a obras de infraestrutura que não têm nada a ver com a Lava Jato: elas têm plenas condições de assumir as obras”, diz José Romeu Ferraz Neto. do Sinduscon-SP.