SÃO PAULO – Imagine um casal que em 2008 comprou um apartamento de dois quartos na cidade de São Paulo por R$ 250 mil. Nos anos seguintes eles tiveram filhos e um aumento considerável da renda. Com mais recursos e uma família maior, os dois decidiram trocar de casa em 2014. O imóvel comprado há pouco mais de seis anos provavelmente seria avaliado em torno de R$ 750 mil, uma valorização impressionante de 200%. Para você ter ideia, neste mesmo período o CDI (Certificado de Depósito Interbancário), referencial para o rendimento da maioria das aplicações de renda fixa, rendeu 96%.

Neste exemplo, a compra do apartamento não poderia ter sido feita em melhor hora. Quem adquiriu um imóvel em 2008 aproveitou um ciclo poderoso de alta dos preços no mercado imobiliário, impulsionado por fatores como o crescimento da economia, o aumento da renda, a redução das taxas de juros e o maior acesso ao crédito. Agora, estas variáveis que tanto ajudaram na valorização nos últimos anos estão comprometidas e o mercado imobiliário sofre com os reflexos de uma severa crise econômica que assola o país. O PIB (Produto Interno Bruto) caiu, o desemprego aumentou e a inflação deve fechar o ano perto dos 10%, o maior nível desde 2002.

O crédito imobiliário vem perdendo fôlego mês após mês. A caderneta de poupança, principal fonte de recursos para o financiamento de imóveis no país, perdeu R$ 53,791 bilhões do seu saldo até o final de setembro de 2015, após 9 meses consecutivos de queda na captação. O principal culpado pela fuga da poupança é a alta dos juros. Com aplicações de renda fixa pagando mais de 14% ao ano com baixíssimo risco, fica difícil convencer o investidor a ficar na caderneta, que está rendendo pouco mais de 8% ao ano. “Enquanto a Selic estiver neste patamar, a poupança não voltará a ter captação positiva”, diz Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP. O problema é que a situação não deve melhorar tão cedo. Segundo o Relatório Focus, a taxa básica de juros deve encerrar o ano que vem em mais de 12% ao ano, ainda bem acima do que paga a caderneta de poupança.

Segundo dados da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), de janeiro até agosto do ano passado, os financiamentos imobiliários que utilizaram recursos da caderneta atingiram um total de R$ 56,6 bilhões, o que significa queda de 22% em relação ao mesmo período de 2014. O número de unidades financiadas utilizando estes recursos diminuiu 27% para 256,1 mil imóveis.

Com juros mais altos e menos recursos da poupança, os bancos aproveitaram para reajustar as taxas do financiamento imobiliário e ficaram mais criteriosos para a concessão do crédito. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, aumentou as taxas para compra da casa própria três vezes em 2015. Quem compra um imóvel na Caixa de pelo SFH (Sistema Financeiro da Habitação), que engloba imóveis de até R$ 650 mil, agora paga uma taxa de 9,90% de juros ao ano. “As taxas estão maiores e os bancos bem mais seletivos”, afirma Cláudio Tavares de Alencar, presidente da Lares (Latin American Real Estate Society) e professor do núcleo de Real State da Poli – USP.

As vendas, claro, despencaram. De janeiro até agosto de 2015 foram comercializados 12.306 imóveis novos na cidade de São Paulo, de acordo com dados do Secovi-SP. O número indica uma queda de 43% na comparação com o mesmo período de 2013, quando foram vendidas 22.638 unidades. A comparação com 2014 é injusta porque as vendas foram muito prejudicadas pela Copa do Mundo e as eleições. A verdade é que se há alguns anos a decisão de adquirir um imóvel era mais simples e as perspectivas bastante positivas, agora, diante de tanta incerteza, os compradores pensam duas vezes. “As pessoas estão preocupadas com o que está acontecendo na economia e precavidas em fazer dívidas de longo prazo. Comprar um imóvel compromete consideravelmente a renda por um bom tempo”, diz Alencar.

Com menos demanda, o preço que vinha há anos em trajetória de forte alta não resistiu. Entre os meses de agosto e setembro de 2015, o valor dos imóveis diminuiu em média 0,12% nas 20 cidades pesquisadas pelo FipeZap. Já quando se observa o comportamento em relação à inflação, o tamanho do problema fica mais evidente. Enquanto o IPCA (índice que mede a inflação oficial do país) avançou 7,58% no acumulado do ano até setembro, o preço médio dos imóveis teve um avanço de apenas 1,38%. “Quando o imóvel não tem seu preço reajustado pela inflação, é como se o patrimônio da família estivesse diminuindo. Está muito nítido que o mercado imobiliário não está em um bom momento”, diz o economista Adolfo Sachsida, pesquisador do Ipea.

Considerando apenas a cidade de São Paulo, os imóveis registraram uma valorização de quase 220% entre 2008 e o final de 2014. No entanto, do começo de 2015 até o final de outubro, a alta foi de apenas 2,5% na capital paulista, também muito abaixo da inflação do período. No Rio de Janeiro, após subirem 264% desde 2008 até o final de 2014, os imóveis ficaram 0,4% mais baratos de janeiro a outubro de 2015. E a desvalorização não deve parar por ai. O FipeZap analisou dados recentes e fez um estudo para tentar prever como devem se comportar os preços nos próximos meses levando em consideração fatores como os juros, o estoque de crédito, a evolução da oferta de lançamentos, a massa salarial, etc. Projetando dados passados para o futuro, o levantamento prevê que os preços terão uma alta nominal de apenas 0,9% em 2015, continuarão em um ciclo de baixa e fecharão o período de 12 meses encerrado em junho de 2016 com uma acentuada queda de 4,8%.

Mas isso não é tudo. Se considerarmos o descolamento entre o preço do aluguel e o de venda, o FipeZap aponta que o preço atual dos imóveis no Brasil deveria sofrer um ajuste de 23% em relação ao valor atual de locação. A equipe de economistas não fala quando isso deve acontecer, mas afirma que o ajuste não será feito de forma abrupta. Isso também não quer dizer que o preço dos imóveis vai cair neste percentual, já que é possível que haja um aumento no preço de locação. Por fim, é preciso levar em conta que os juros podem cair no futuro, reduzindo o ajuste potencial dos preços dos imóveis. O FipeZAP também acredita que as restrições de crédito criadas pela Caixa Econômica Federal a partir de maio – o banco agora só financia no máximo 50% do valor do imóvel usado – ainda não estão refletidas nos preços atuais.

Alguns economistas atestam que este é o fim de uma bolha que se formou no mercado imobiliário nos últimos anos. Um deles é Adolfo Sachsida, que defende desde 2012 que o aumento dos preços aconteceu de maneira irracional. Segundo seus estudos, uma bolha pode ser caracterizada quando o governo estimula artificialmente o crédito e o direciona para algum setor específico da economia. “É natural que quando isso acontece os preços daqueles ativos subam. Mas quando acaba o estímulo os preços caem. É exatamente isso que está acontecendo agora”, afirma.

Outro especialista que alerta há algum tempo que o Brasil vive um aumento de preços sem fundamento no setor imobiliário é Luiz Carlos Ewald, professor de finanças do MBA da FGV. No final de 2013 ele disse ao InfoMoney que uma bolha estava prestes a estourar no mercado imobiliário brasileiro. Em junho de 2014, voltou a afirmar. “Os preços estão artificialmente muito altos em todo o país e as taxas de financiamentos imobiliários voltaram a ser impagáveis, com raras exceções”, disse na época. Agora ele evita o termo bolha, mas continua acreditando em uma correção de preços. “Podem apelidar de qualquer nome. O fato é que quem precisa vender logo não consegue se não abaixar muito o preço. Algumas cidades estão pagando pela especulação desenfreada”, afirma.

Já Eduardo Zylberstajn, coordenador do FipeZap, alega que chamar a valorização dos imóveis no Brasil de bolha é impreciso. Para o economista, uma bolha pode ser caracterizada quando o preço de um ativo se descola dos fundamentos do mercado. “O preço dos imóveis reagiu de acordo com o aumento da renda e a redução dos juros”, justifica. Por isso, ele insiste que a desaceleração do preço é reflexo da atual conjuntura econômica. “Entramos agora em uma correção da renda e da taxa de juros, que afetam diretamente o mercado imobiliário. Isso quer dizer que os preços estão passando por uma correção por conta dos próprios fundamentos do mercado, e não porque estavam desajustados com o resto da economia”, afirma.

A pergunta que fica é se a expansão da renda e a queda dos juros há alguns anos eram realmente sustentáveis e se o mercado imobiliário poderia estar passando agora por um período de correção mais suave. “Depende da interpretação de cada um. É difícil bater o martelo”, diz o Zylberstajn.

Um outro dado que mostra o tamanho do problema é o número de pessoas que desistiram da compra do imóvel após assinarem o contrato com a construtora. Em 2013, o escritório Tapai Advogados, especializado em direito imobiliário, registrou 73 ações de distratos, que equivalem a 16% das 444 ações que o escritório participou naquele ano. Já em 2015, considerando apenas até o dia 20 de outubro, foram abertas 410 ações de distratos – um aumento de 460% na comparação com 2013. Os distratos acontecem quando o comprador devolve o imóvel para a construtora antes de receber as chaves e recebe de volta um valor estipulado em contrato. “Antes, a maioria das ações que chegavam ao escritório eram referentes a atrasos ou problemas com as obras. Atualmente, quase 80% das ações são referentes a distratos”, diz Marcelo Tapai, proprietário do escritório.

Preço do aluguel também caiu

O preço dos aluguéis também tem mostrado queda nas principais cidades do Brasil. O Índice FipeZap de Locação, que acompanha o preço do aluguel de imóveis residenciais em nove cidades brasileiras recuou 0,78% em setembro de 2015 na comparação com agosto, o que representa a maior queda mensal da série histórica iniciada em 2008. No acumulado do ano, os alugueis residenciais ficaram 1,98% mais baratos. Já quando analisado o período de doze meses encerrados em setembro, a queda foi ainda maior, de 2,51%, novamente a maior da série histórica. No mesmo período a inflação medida pelo IPCA foi de 9,49%.

A maior queda aconteceu no Rio de Janeiro, onde os aluguéis ficaram 1,14% mais baratos. Ainda assim, a cidade continuou com o metro quadrado mais caro do país (R$ 38,58), seguida por São Paulo (R$ 36,51). O aluguel mais barato do Brasil está na cidade de Curitiba (R$ 16,06). O preço médio anunciado para locação por metro quadrado nas nove cidades pesquisadas em setembro foi de R$ 32,76.

Os preços considerados para o cálculo do índice são para novos aluguéis, ou seja, o índice não mede a variação dos contratos vigentes (que normalmente reajustados automaticamente pelo IGP-M). Em setembro de 2015, o retorno médio anualizado com aluguel foi de 4,6%, muito abaixo do CDI. “Essa medida é importante para avaliar se o mercado imobiliário está mais ou menos atrativo em relação a outras opções de investimento”, afirma o FipeZap.

Imóveis comerciais

A situação dos imóveis comerciais não é muito diferente. Segundo dados da consultoria imobiliária Jones Lang LaSalle, a taxa de vacância (desocupação) dos escritórios de alto padrão em São Paulo registrou alta de 0,93 ponto percentual em relação ao primeiro trimestre de 2015, fechando o mês de junho do ano passado em 23,4%. Com mais unidades desocupadas, os preços tiveram que cair para atrair interessados. A média de locação no trimestre ficou em R$ 90 o metro quadrado, 2,85% a menos do que no primeiro trimestre de 2015 e 4,85% menor do que a do segundo trimestre de 2014. Mas a comparação que mais evidencia o mau momento do mercado é com o segundo trimestre de 2013. De lá para cá houve queda de 20% no valor do aluguel de imóveis comerciais de alto padrão na capital paulista.

O problema é que não param de ser entregues grandes empreendimentos comerciais na maior cidade do país. Só no segundo trimestre de 2015, o estoque de escritórios de alto padrão ganhou 54 mil metros quadrados. Com isso, o estoque total ultrapassou os 4 milhões de metros quadrados na cidade, segundo a Jones Lang. A projeção para os próximos trimestres de 2015 é a entrega de aproximadamente 411 mil metros.

Para as empresas que procuram um escritório para alugar a notícia é boa. Com a grande oferta de novos empreendimentos corporativos em meio à instabilidade econômica, os descontos praticados estão aumentando. Segundo dados da Buildings, empresa especializada em pesquisa imobiliária corporativa, na avenida Brigadeiro Faria Lima, um dos locais com metro quadrado mais caro de escritórios corporativos na capital paulista, as empresas chegam a obter descontos que variam entre 14% e 25% na locação de imóveis corporativos classe A. Na região da Vila Olímpia e da avenida Luis Carlos Berrini, os descontos ficam na casa de 20%. Já em empreendimentos de Classe AA e AAA é mais difícil conseguir descontos tão altos. “Se o prédio é de alta qualidade ele tem mais resiliência”, afirma Paulo Bilyk, diretor de investimentos da Rio Bravo.

De acordo com o Buildings, para as transações com menor desconto em relação ao preço pedido, é comum que haja carência no aluguel, com prazos que variam entre 3 e 10 meses e, em alguns casos específicos, podendo chegar em até 1 ano.

No Rio de Janeiro, a taxa de vacância subiu 2,5 pontos percentuais no segundo trimestre de 2015 na comparação com os três meses anteriores, encerrando o período em 24,6%. A média de preços pedidos no Rio de Janeiro apresentou queda de 1,6% em relação ao primeiro trimestre de 2015, fechando em R$ 120 o metro quadrado. A redução foi de 6,8% em relação ao segundo trimestre de 2014 e de 11% em relação ao segundo trimestre de 2013.

O que fazer agora?

Mesmo com um cenário complicado, não dá para cravar que todo mundo que comprar um imóvel agora vai perder dinheiro. A própria equipe do FipeZAP afirma que neste ano os preços devem subir em algumas regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte e, por outro lado, cair em outros bairros. No entanto, os especialistas em finanças ouvidos pelo InfoMoney ressaltam que este não é o melhor momento para comprar um imóvel. Com a Selic em mais de 14% ao ano, vale mais a pena aplicar seus recursos em investimentos seguros de renda fixa e esperar mais um pouco. Como os preços médios devem se manter estáveis ou até cair em algumas cidades, daqui a alguns anos você teria acumulado um valor maior com uma aplicação financeira e compraria um imóvel por um preço parecido – ou até menor do que hoje. “Eu esperaria pelo menos até o meio do ano que vem. Acho que a crise vai se acentuar bastante até a metade de 2016. Se você tiver dinheiro no bolso nesta época e procurar, vai fazer um bom negócio”, diz Sachsida.

Para quem compra com o único intuito de investir e ganhar dinheiro com a renda de aluguel, o momento também é ruim, já que o retorno médio com a locação residencial não chega a 5% ao ano atualmente. Se deixar o dinheiro em um título prefixado do Tesouro Direto, o investidor garante um rendimento de mais de 15% por ano até 2018. Ao optar por um CDB (Certificado de Depósito Bancário), a rentabilidade pode ultrapassar 18% em três anos. “Há produtos seguros no mercado de renda fixa com uma remuneração líquida acima de 1% ao mês, contra um retorno do aluguel de 0,3 % a 0,5%. Fora o alto risco de vacância que originaria um custo de condomínio, IPTU, manutenção e as expectativas no médio prazo de uma desvalorização do imóvel”, afirma Pedro Puga, assessor de investimentos da Criteria Investimentos.

Quem está neste mercado também lembra que durante períodos de crise, sempre há possibilidade de se fazer bons negócios. Com vendedores apertados e precisando do dinheiro em pouco tempo, podem existir algumas barganhas, mas é preciso pesquisar, negociar e fazer muita conta antes de imobilizar o capital. “Os compradores estão dando as cartas agora”, diz Alexandre Frankel, presidente da construtora e incorporadora Vitacon.

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