Parte da propina paga a políticos do estado de São Paulo passava pelo aval de um único executivo da Odebrecht, o ex-superintendente da construtora em São Paulo, Carlos Armando Paschoal. Ele lidava com políticos de diversos partidos e ajudava a empresa a conquistar obras em São Paulo.
Carlos Armando Paschoal é engenheiro civil formado pelo Mackenzie, na década de 70. Também foi diretor na Andrade Gutierrez por 12 anos e 20 anos na Odebrecht. Em São Paulo, chegou a diretor superintendente.
Em delação premiada ao Ministério Público Federal, Paschoal disse que, em 2010, ele mesmo procurou o então candidato a deputado federal José Anibal para fazer doações à sua campanha.
“José Aníbal era de um grupo que eu chamaria o núcleo duro do candidato Geraldo Alckmin e teria relevância no provável governo Alckmin. Inclusive, com direito a alguma secretaria. Como de fato acabou ocorrendo. Ele acabou sendo secretário de Energia”, disse Paschoal ao MPF.
A doação a José Aníbal foi, segundo o delator, de R$ 50 mil. O valor não consta na prestação de contas do tucano à Justiça Eleitoral. “Foi R$ 50 mil e o codinome dele foi Navegantes”, afirmou Paschoal.
O ex-superintendente da Odebrecht também afirmou que negociou com outros políticos paulistas. A campanha de Alckmin, em 2010, por exemplo, recebeu R$ 2 milhões, segundo o delator – valor acertado em uma reunião entre o tucano e Aloísio Araújo, que era conselheiro da Odebrecht.
“O Doutor Alckmin pediu para a secretária um cartão que tinha um nome, os contatos, me entregou aquilo lá. Ele só disse ‘esse aqui é meu cunhado, aquilo lá que a gente combinou aqui com o Dr. Araújo’”, disse Paschoal.
Alckmin recebeu ainda, segundo os delatores, R$ 8,3 milhões de caixa dois para a campanha de reeleição em 2014. Houve também doação oficial de R$ 400 mil. Carlos Armando Paschoal disse que o diretor de engenharia da Dersa, durante o governo José Serra, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, também pediu dinheiro à Odebrecht.
“Ia ter que pagar uma propina de 5% de cada medição mensal ao longo da execução do contrato. Nós teríamos, como estaríamos como grande construtora, estaríamos no túnel roberto Marinho, teríamos que apresentar propostas de cobertura para todas as demais licitações – da Jacu-Pêssego, Marginal Tietê, Sena Madureira, etc”, afirmou.
Paschoal concordou com a proposta. Ele sabia das relações de Paulo Preto. “Eu diria PSDV e DEM. Ele é muito próximo do Aloísio Nunes e de Kassab. Foi, ne, eu me refiro àquela época.”
Segundo as delações, Serra recebeu cerca de R$ 38 milhões desde 2002; o ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, do PSD, R$ 21,5 milhões; já o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, do PSDB, recebeu R$ 500 mil.
A construtora abastecia ainda adversários dos tucanos. O petista Aloizio Mercadante, candidato ao governo paulista, em 2010, recebeu valores de caixa dois não informados pelos delatores. Já o deputado Celso Russomano, do PRB, ganhou R$ 50 mil na campanha a governador em 2010, quando ele ainda estava no PP.
Em seu trabalho, Paschoal se acostumou a ouvir demandas de políticos e partidos. Ele relata que nem a Odebrecht nem os políticos pareciam preocupados como esses pedidos seriam atendidos.
O governador Geraldo Alckmin disse que o delator não aponta nenhum ato ilícito de quando ele era candidato. Para Alckmin, Carlos Armando não presenciou conversa, pedido ou sugestão para a prática de qualquer delito.
O ministro Aloysio Nunes disse, em nota, que “há muita desinformação sobre os depoimentos dos ex-executivos da Odebrecht e dos fatos que suscitaram o pedido de abertura de inquérito” contra ele (leia comunicado completo abaixo).
O ministro Gilberto Kassab disse que é preciso cautela com os depoimentos de colaboradores, que não são provas e que suas campanhas eleitorais foram dentro da lei. Paulo Vieira de Sousa, o Paulo Preto, disse que não comenta conteúdos que serão objeto de exame pelo poder judiciário.
O ex-ministro Aloizio Mercadante disse que “os depoimentos dos dois delatores, Carlos Armando Paschoal e Benedicto Junior, apesar de contraditórios, confirmam tudo o que já foi dito por Aloizio Mercadante e negam a própria acusação. Os dois afirmam categoricamente que jamais trataram com o Mercadante de doação de campanha ou de contribuições não oficiais.
“O ex-ministro reafirma que não delegou arrecadação e não aceitou contribuições não oficiais para as suas companhas. Diferente do que foi dito pelos dois delatores, o prefeito Edinho não era tesoureiro da campanha de Mercadante, mas presidente estadual do PT e como ele mesmo afirmou em nota pública, não possuía qualquer atribuição de arrecadação financeira e não arrecadou para a referida campanha. A prestação de contas da campanha ao governo de São Paulo foi aprovada e está disponível para consulta pública no Tribunal Superior Eleitoral. Mercadante está à inteira disposição das autoridades para prestar qualquer esclarecimento necessário”, diz a nota da assessoria de Mercadante.
Por meio de nota, o ex-deputado José Anibal disse que nunca procurou ou recebeu “nenhum representante ou preposto da Odebrecht nem como candidato, nem no exercício de funções parlamentares ou de secretário de Estado”. “A suposta doação de R$ 50 mil não aparece em minha prestação de contas de candidato a deputado federal em 2010 por uma simples razão: ela não existiu. Todas as doações recebidas pela minha campanha naquele ano foram registradas. A prestação de contas foi aprovada em novembro, pouco mais de um mês após minha eleição”, disse.
Nota do ministro Aloysio Nunes Ferreira
“Há muita desinformação sobre os depoimentos dos ex-executivos da Odebrecht e dos fatos que suscitaram o pedido de abertura de inquérito em relação a mim. A leitura atenta dos depoimentos, conjugada com a reconstrução de uma “linha do tempo” que vai da licitação do Rodoanel, passa pelo início do governo Serra, a emissão da ordem de serviço para a obra, até a data em que os delatores afirmam que foram repassados recursos para minha campanha, basta para derrubar por terra as falsas imputações.
A licitação da obra do Rodoanel ocorreu antes da posse de José Serra no governo de São Paulo. O contrato foi assinado em 27 de abril de 2006 e Serra tomou posse em 1 (um) de janeiro de 2007, mesma data em que fui nomeado por ele para chefia da Casa Civil.
Embora a obra estivesse contratada, Serra condicionou a emissão da ordem de serviço para sua execução àconcessão de um desconto sobre o valor apurado na licitação. Foi uma medida geral, tomada no início do governo, válida não apenas para o Rodoanel mas para todos os contratos, com a exclusiva finalidade de contenção de despesas.
A renegociação, no caso do Rodoanel, compreendia um desconto estipulado em 5% do valor. Além disso, as empresas também aceitaram outra condição para a emissão da ordem de serviço: a mudança no regime jurídico do contrato de preço unitário para empreitada global. No regime de preço unitário, a empresa é remunerada em função das quantidades de insumos e serviços empregados na execução do contrato. Esse é o sistema usual que traz sempre os inconvenientes que o novo governo queria evitar: dilação de prazos e constantes reivindicações de reajustes de preços. Já a empreitada global foi e é considerada mais favorável à administração, uma vez que, nesse regime, combinado um preço para execução da obra, ele se mantém fixo, pois o que se “compra” é a obra feita e não seus componentes. As empresas contratadas relutaram, mas acabaram por concordar.
A obra foi inaugurada, então, exatamente no dia previsto quando de seu início, cerca de dois anos e meio antes, não havendo, portanto, qualquer alteração em seu calendário para satisfazer necessidades políticas, contrariamente ao que afirma Paschoal. O Dersa nunca concordou com os pedidos de reajuste dos valores apresentados pelas empreiteiras. Até que, em 23 de setembro de 2009, após as empresas terem acionado o Ministério Público Federal, alegando prejuízos acumulados em razão da mudança do regime jurídico dos contratos, o Dersa teve que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que redundou num acréscimo de aproximadamente 3% sobre o valor inicial. Foi essa a única alteração contratual ocorrida desde o início da obra. O próprio delator Carlos Armando atesta que, durante as tratativas que antecederam a assinatura do TAC, eu sempre acompanhei a posição assumida pelo Ministério Público da União:
Carlos Armando: – [Aloysio] Praticamente repetia as palavras que o procurador da República dizia – e os próprios auditores –: ‘a União não paga serviço não executado’”.
Enquanto o Rodoanel estava sendo construído, surgiram problemas de toda a ordem, como era de se prever em um empreendimento tão complexo: restrições ambientais, desapropriações, necessidade de compensações aos municípios atravessados por ela e diferenças de interpretações de cláusulas contratuais. Todas as vezes em que a solução dos impasses dependia dos vários órgãos do governo, como chefe da Casa Civil, eu exerci a função própria do meu cargo, qual seja, a de coordenar a atuação da administração para solucioná-los, sempre atendendo ao interesse público. Nesse sentido, fui procurado ao longo desse tempo não apenas pela Odebrecht, como por dirigentes de todas as empresas responsáveis pelos diferentes lotes. O próprio delator Carlos Armando Paschoal esclarece que, quando eu fui procurado por ele para tratar de pendências da empresa com o Dersa, relacionadas ao Rodoanel, jamais solicitei recursos para uma futura, eventual (e aquela altura improvável) campanha para o Senado.
Reproduzo, a seguir, as perguntas do promotor e as respostas de Carlos Armando que deixam claro que eu jamais me vali da minha função na Casa Civil para solicitar contribuição de campanha.
Promotor: – Em algum momento o senhor tratou de doação eleitoral no Palácio?
Carlos Armando: – Não.
Promotor: Antes disso (da campanha de 2010), no exercício da função pura dele, de Casa Civil, das obras, ele jamais lhe fez alguma solicitação?
Carlos Armando: – Jamais.
Promotor: – Foi só doação eleitoral?
Carlos Armando: – Só doação eleitoral.
O mesmo delator afirma que só tratamos de contribuição da Odebrecht para a minha campanha no mês de abril. É preciso que fique muito claro que fui exonerado da minha função de secretário de Estado no dia 31 de março, como determinava a Lei Eleitoral, e só me instalei no meu comitê de campanha (onde o delator afirma ter se encontrado comigo) no final de abril. A essa altura, eu, ainda que quisesse, não tinha a menor condição de atuar para resolver problemas da Odebrecht ou de qualquer outra empresa junto à administração, simplesmente porque já não fazia mais parte dela, Serra não era mais governador, o Rodoanel já estava inaugurado (também no início de abril) e o governador Goldman já havia promovido uma ampla reestruturação na direção do Dersa.
Pleiteei recursos de campanhas a empresas, conforme a Lei Eleitoral autorizava naquele momento. No entanto, não recebi qualquer contribuição da Odebrecht.
Há contradições entre os depoimentos de Benedito Junior e de Carlos Armando quando se referem a supostos repasses de recursos para minha campanha: Benedito afirma que autorizou os repasses entre agosto e setembro, enquanto Paschoal diz que os repasses foram feitos a partir de maio. Ou seja, os pagamentos teriam sido feitos antes das autorizações? Para quem teria ido esse dinheiro? Para algum político ou foi parar no bolso de algum funcionário da própria Odebrecht? Aliás, o senhor Carlos Armando é particularmente obscuro quando trata das circunstâncias em que esses pagamentos teriam ocorrido: foi em um hotel? Em que hotel? Quem pagou? Quem recebeu? Nada disso ele esclarece. Essa fábula não se sustenta.”